terça-feira, 25 de novembro de 2008

Maternidade terceirizada

Os dias chuvosos chegaram e a cidade está de cores novas: verde cintilante, que se estende dos gramados às numerosas árvores; e cinza prata dourado, um efeito provocado por raios solares que tentam se infiltrar entre os blocos de nuvens espessas. A temperatura é agradável, a umidade relativa do ar, em torno de 50%, traz uma sensação de conforto e bem-estar, dispensando ventiladores e ar-condicionado. A atmosfera é suave, relaxante e o silêncio da tarde é rompido unicamente pelas risadas e gritos da criançada que brinca na quadra de esportes à frente da minha janela.

Quantas vezes, no passado, suspirei por momentos como este! Sonhava em estar em casa, à tarde, aproveitando a paz doméstica na companhia dos filhos. Apesar de algumas manobras nessa direção, não consegui o meu intento. Compensei, como possível, dedicando cada minuto livre. Mas, hoje, quando tenho a oportunidade de acompanhar o crescimento do meu neto, vejo claramente que tudo o que fiz foi pouco; e, principalmente, me dou conta de tudo o que deixei de usufruir, do muito que perdi não estando presente para testemunhar a rotina dos filhos, para secar suas lágrimas quando tinham medo, quando se machucavam...

Sei que, apesar disto, eles foram felizes porque cresceram, livres, nas superquadras de Brasília, que garantia liberdade e segurança, permitindo viver uma infância plena, semelhante a que a minha geração viveu nos subúrbios do Rio de Janeiro. Essa sorte, a criançada de agora, longe da supervisão dos pais, não tem. A segurança nas superquadras é coisa do passado. Talvez, por isto, os amplos espaços arborizados, com quadras de esporte e parquinhos, permaneçam desertos, a maior parte do tempo.

É um desperdício que não me canso de lamentar: onde estariam as crianças? Presas, nos apartamentos, ou circulando entre uma e outra atividade imposta pelos pais que pretendem, dessa forma, mantê-las ocupadas e a salvo. Não há coerência em se ter filhos para deixá-los, 8, 10 horas por dia, aos cuidados de terceiros, compartilhando com eles somente as sobras, as breves lacunas eventualmente existentes entre os períodos ocupados por nossas atividades.

Houve um passado em que era viável gerar vidas sem grandes planos, quando éramos robôs acionados por um projeto de vida padrão: crescer, casar e ter filhos; e permanecer ao redor da família de origem, pais, tios, primos, contando, portanto, com uma rede de apoio e afeto. Hoje, a rede de apoio é a empregada, a aula de natação, de judô, de ballet, de inglês... Recursos de classe média com que a classe pobre não pode contar. Em ambas as classes, as crianças estão relegadas, não ocupam o espaço de que necessitam na vida dos pais.

Talvez por isto as estatísticas estejam apontando para o envelhecimento da população brasileira o que, na Europa, já é um fato. Felizmente, começa a despontar uma consciência quanto ao compromisso e responsabilidades que se deve assumir de forma madura, uma verdadeira escolha: ter filhos para criá-los, não tê-los para se dedicar a outros interesses.

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