sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A geografia da fome

Levei um susto, hoje pela manhã, no Supermercado, com o preço do KG da carne de primeira, R$14,00, na promoção! Não comprei. Há menos de três meses, pagava R$8,00. Vou aturar reclamações dos comensais aqui de casa; mas, o cardápio vai variar entre frango frito, frango ensopado, frango assado... E peixe.

De volta à casa, passei a lamentar, em longo papo com a minha secretária do lar, relembrando o período inflacionário. Falo e bato na madeira três vezes. Foram tempos difíceis, para mim, aqui no DF e para ela, no Ceará.

Eu “caprichava” na seleção do que comprar tentando me defender como possível, já que, recebendo pagamento a cada 30 dias, via meus rendimentos serem reduzidos, em percentual de 25% ao mês, taxa de inflação da época. O cardápio, com alimentos capazes de “encher a pança” de filhos pré-adolescentes, variava de frango para frango e saborosos nacos de carne de segunda (peito, acém, costela...). Vísceras, nunca, pois eu já havia aprendido que armazenavam hormônios e antibióticos com que o gado era tratado.

Quanto à minha querida secretaria, na época ainda uma criança, restava-lhe, assim como para os irmãos, privações e fome. O cardápio, segundo sua narrativa, era composto de feijão, milho, e farinha de mandioca, plantados pelo pai e irmãos. Outros itens (e apenas os indispensáveis) eram comprados “fiado” e o pagamento, realizado somente uma vez por ano, na época da colheita do algodão.

Se eu me queixo do salário defasado, recebido a cada 30 dias, imaginem vocês o que sobrava para essa família, do produto da colheita do algodão? Nada. A conta, registrava valores variados, correspondentes a preços diversos, segundo a oscilação provocada pela inflação, ao longo de um ano inteiro. E o total da dívida era calculado com base nos preços da época do pagamento. Covardia, não é mesmo?

Na época, não existiam os programas sociais que, se por um lado podem incentivar a malandragem, por outro vem atender necessidades básicas que, infelizmente, nem sempre o livre mercado é capaz de suprir.

Minha secretaria é uma pessoa muito querida, que eu admiro; ela traz no próprio corpo as marcas desse passado de fome, marcas que eu vi descritas em livros do cientista Josué de Castro (Geografia da Fome e Geopolítica da Fome). Mas nunca se faz de vítima, é uma lutadora.

Espero que a fome seja varrida do mapa, que a crise financeira que abala o planeta sirva de inspiração para novas idéias, idéias inteligentes para um mundo melhor que permitam o crescimento saudável de corpo e mente.

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